quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Tempo

O homem só tem duas missões importantes: amar e escrever à máquina. Escrever com dois dedos e amar com a vida inteira
Antônio Maria, Café com leite

Semana passada, no twitter, prometi que publicaria esse texto novamente. Só encontrei hoje, com ajuda do Felipe Torres (dono do pinkego.wordpress.com), a quem agradeço. O colega citado na crônica (se os cronistas de verdade me permitem chamar assim estas linhas) é o Tonhão Strini, dono do plantaodotonhao.wordpress.com.

Como eu soube da morte de Mario Zan
Todo dia é dia de aprender

Oito de novembro. Lançamento do livro de grandes reportagens do fantástico, salão nobre da Universidade Metodista de São Paulo. Para as apresentações, vieram Ricardo Kotscho, Luiz Carlos Azenha, Geneton Moraes Neto e José Hamilton Ribeiro. O último é o mais experiente e admirado por público e colegas. Suas histórias comovem, fazem rir, têm detalhes que pessoas comuns deixam passar. Quando chamado à mesa, o auditório aplaude sua sabedoria, ainda que não tenha dito sequer uma palavra.

O debate é descontraído. O jornalista de obituário, personagem recorrente nas brincadeiras da profissão, é lembrado algumas vezes. Ribeiro faz graça até com o episódio em que perdeu uma perna, na cobertura da guerra do Vietnã. Entre as histórias contadas pelos colegas, ele atende o celular discretamente. O colega ao meu lado percebe e comenta; brincamos que ele não precisa seguir regras de etiqueta. Nós é que lhe devemos respeito. A conversa entre público e palestrantes continua.

O relógio indica que a diversão acabará em breve. O público quer aprender fazer a tal da boa reportagem. Em resposta, nada de métodos. Histórias. Azenha diz que contou com a sorte para entrevistar Gorbachev, Geneton lembra do cuidado com o texto. Ribeiro conta como realizou matéria com o sanfoneiro Mario Zan, seu amigo pessoal e autor de músicas como Nova Flor (Os homens não devem chorar).

No fim da conversa, o repórter fez as vezes de obituarista. Informa, serenamente, o falecimento do compositor. Era a notícia que recebera naquela ligação. Apesar da tristeza que certamente sente, Ribeiro fala da morte sem abalos, com o vigor de quem sabe que cumpre seu papel.

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Rebaixado (de volta ao assunto)

E este é o nosso grande remorso: o de fazer as coisas urgentes e inadiáveis – tarde demais.
Lourenço Diaféria, Herói. Morto. Nós.


Na semana passada, comparei política e futebol. Perguntava se o PSB seria o Fluminense dos partidos brasileiros. A "análise" era mais uma brincadeira, mas parece que a comparação é válida. É como se o campeonato estivesse nas primeiras rodadas e o time ainda não demonstrasse entreosamento.

Está na Folha Online: Militantes do PSB recorrem contra filiação de Skaf ao partido

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Sobre o mérito

E a cidade não soube que hospedava pessoa daquela importância. É facílimo enganar uma cidade
Carlos Drummond de Andrade, Garbo: novidades


Quando esteve por aqui, Jesus Cristo propôs uma parábola segundo a qual um homem foi viajar e dividiu entre três servos a responsabilidades de administrar seus bens.

A distribuição foi feita de acordo com a capacidade que cada um havia demonstrado até então. O primeiro deveria cuidar de cinco talentos, o segundo era responsável por dois e o último cuidaria de um.

Na volta da viagem, o patrão soube que os dois primeiros funcionários passaram o tempo trabalhando. Conseguiram dobrar o valor a eles confiado. Imediatamente, foram promovidos. O último servo, contudo, preferiu esconder embaixo da terra o talento que recebera para devolver no retorno do chefe. Por sua negligência, foi demitido.

Hoje aconteceu uma história semelhante. O chefe Carlos Olímpio Ignácio voltou de viagem. Ele havia divido o trabalho entre quatro funcionários: Juan Plata, Yudi Hiroshi, Johnny Fourth e Roberto Ilusório de Oliveira. Os três primeiros foram responsáveis e conseguiram administrar bem suas obrigações. Roberto foi insensato. Cuidou tão mal de seu talento que não conseguiu sequer encontrá-lo para devolver ao patrão.

A principal diferença, contudo, está no final da história. Carlos Olímpio Ignácio resolveu entregar todos os talentos e responsabilidades para Roberto Ilusório de Oliveira.

Dizem que Roberto é uma boa pessoa e que para ter um futuro brilhante precisa apenas de mais seriedade. Vamos acompanhar o restante da história.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Rebaixado

Foi uma humilhação nacional que nada, absolutamente nada, pode curar. Dizem que tudo passa, mas eu vos digo: menos a dor-de-cotovelo que nos ficou dos 2x1. E custa crer que um escore tão pequeno possa causar uma dor tão grande. O tempo passou em vão sobre a derrota. Dir-se-ia que foi ontem, e não há oito anos, que, aos berros, Obdulio arrancou, de nós, o título. Eu disse “arrancou” como poderia dizer “extraiu” de nós o título como se fosse um dente.
Nelson Rodrigues, Complexo de vira-latas

Quem acompanha futebol está acostumado com a situação: clube com gestão amadora e campanhas medíocres apresenta pacote de contratações no início de temporada. A torcida acredita em bons resultados e espera que o time melhore. Nas primeiras partidas é evidente a falta de entrosamento e os “problemas técnicos”, por assim dizer, do elenco. A diretoria promete profissionalismo e um projeto de longo prazo. Troca o técnico, faz lista de dispensa e contrata novos jogadores. Termina o ano brigando para não ser rebaixado.

Não gosto dessas comparações, mas com Romário, Marcelinho Carioca, Paulo Skaf, Gabriel Chalita e Walfrido dos Mares Guia, podemos dizer que o PSB é o Fluminense da política brasileira?

E se o paralelo é válido, qual seria a situação correspondente à série B?

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Reservado

Tudo o que encontrei
na minha longa descida,
montanhas, povoados,
caieiras, viveiros, olarias,
mesmo esses pés de cana
que tão iguais me pareciam,
tudo levava um nome
com que poder ser conhecido.
A não ser esta gente
que pelos mangues habita:
eles são gente apenas
sem nenhum nome que os distinga;
que os distinga da morte
que aqui é anônima e seguida.
São como ondas de mar,
uma só onda, e sucessiva.
João Cabral de Melo Neto, O rio





Foi namorar, perdeu o lugar.

É assim que os pequenos explicam sua lógica de “revezamento”, por assim dizer, em situações como parques com mais crianças do que brinquedos.

Imagino que aquelas com mais recursos não costumam usar esse argumento. Nunca estive neste grupo, mas penso que elas devem ter espaços e brinquedos reservados, específicos, que podemos chamar de assentos permanentes.

Seria natural que, sabendo que tal privilégio existe, outras crianças quisessem um espaço semelhante. Contudo, se o mundo dos homens fosse justo, os assentos permanentes não existiriam. Se ele fosse ao menos um pouco mais responsável, os brinquedos seriam distribuídos de acordo com méritos individuais: quem estuda, faz a lição e ajuda a arrumar a casa deveria escolher primeiro.

Questão semântica

Somos uma geração que perdeu o privilégio de não fazer nada, aquele doce não-fazer-nada que é a mansa hora de repouso.
Elsie Lessa, Gente


Diariamente, na caminhada do almoço, passo ao lado de um poste-it, que vem a ser o anúncio de papel colado em determinado ponto de iluminação pública, que faz propaganda de um curso de “gnose”.

Não sei o que essa palavra pode significar. A preguiça de consultar o dicionário me faz passar algum tempo criando possíveis explicações. Seria um sinônimo de hipnose? É provável que não, apesar da fonética. Jornalismo, talvez? Ouvi falar de cursos que formam esses profissionais em 45 horas...

Mas deixemos o divagar de lado. Como o anúncio não diz o que significa a tal da “gnose” (suponho que seja um substantivo feminino), penso que deve ser uma daquelas coisas que faz parte do chamado senso comum e que é ignorada apenas por seres ignorantes, como eu. Também pode ser uma estratégia para despertar a curiosidade do “público”.

Se foi isso mesmo, devo dizer que a tática deu certo, pelo menos comigo.

Após esse anúncio, o interesse em saber o que significa “gnose” é maior do que a vontade de acompanhar os jornais.


* atualizado às 11h12

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Defeito crônico

Afinal, quem julgar que este mundo é fácil entrou no planeta errado.
João Antonio, Morreu o Valete de Copos


Está no G1. A desigualdade no Brasil caiu 9% em dez anos.

É como se todas as pessoas interessadas em inclusão social estivessem em um carro, com o objetivo de chegar a um local onde dizem existir justiça, direitos básicos e oportunidades iguais para todos.

O otimista destaca que estamos no caminho certo.

O pessimista reclama que a direção pode até estar correta, mas estamos tão devagar que nunca chegaremos ao destino planejado. Além disso, quando acabar a descida, alguém precisará descer e empurrar.

O pragmático reclama da conversa. Ele está ocupado pensando em como trocar a atual "carroça" da inclusão por um veículo mais rápido. Mas não há sequer um carro nessa estrada além do que eles ocupam.

O terórico senta-se e pensa no assunto. Deve existir alguma explicação filosófica. Para clarear o raciocínio, recorre aos doces que carrega na mala. Enquanto isso, engorda e deixa o carro mais pesado.

O intuitivo faz o que pode: reza um mantra para acalmar os ânimos durante a longa viagem. Mas no fundo, sabe que não está ajudando muito...


Com tanta gente, bem que alguém podia abrir o mapa e procurar um atalho.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Erros, acertos

O povo sabe muito bem onde põe os olhos e os jornais contam muito mais verdades do que supõe o ingênuo público, viciado a acreditar em desmentidos
Rachel de Queiroz, Os discos voadores

Continuo no esforço para manter o blog atualizado e prometo que não farei apenas indicações de textos e comentários. Eventualmente, os (dois) leitores encontrarão considerações aprofundadas e inéditas. Eventualmente.

Mas a coluna de hoje do Tostão merece ser lida. A análise é interessante e o finalzinho é genial.

A vida dá muitas voltas

LUIS FERNANDO Veríssimo escreveu no jornal "O Globo": "Os últimos sucessos da seleção criaram uma cisão entre os eclesiásticos com relação ao Dunga. Há os que os fatos obrigaram a aceitá-lo, e os que nada os fará aceitá-lo, muito menos os fatos".

Continuo o assunto. Não só a imprensa mas também atletas, treinadores e profissionais de todas as áreas têm grandes dificuldades de aceitar os fatos, quando esses contrariam suas opiniões e seus desejos.

Para serem mais elogiados, alguns técnicos e jogadores costumam fazer ótimas tabelinhas com a imprensa oba-oba.

Quando os fatos mostram que as críticas estavam erradas, e que os técnicos estavam certos, esses costumam dizer: "Vão ter que me engolir", "O que vale é o que acontece no campo", "Calei a boca dos críticos" e tantas outras frases. Alguns não suportam nem as críticas da torcida, como o rancoroso Dunga, ao fazer gestos para os torcedores durante a partida contra o Chile.

Em uma recente entrevista, Dunga, com raiva, disse que estava muito feliz. Dunga não quer ser feliz. Quer ser vencedor.

Poucos treinadores reconhecem seus erros. Diante do sucesso, nun- ca falam que aprenderam com as críticas.

Comentaristas torcem para suas opiniões darem certo. Adoram dizer: "Como falei". Quando os fatos os desmentem, dizem que as coisas mudaram. Poucos reconhecem seus equívocos. Alguns fazem isso só para mostrar que são humildes. Pouquíssimos aprendem com os erros.

Comentaristas e profissionais de todas as áreas costumam escutar ótimas opiniões diferentes e, em vez de entendê-las e incorporá-las, preferem ignorá-las, mesmo se as opiniões vierem de pessoas qualificadas, ainda mais quando são ditas por pessoas de outro grupo de trabalho. Não querem aprender nem evoluir. Querem competir.

Como há tantos fatores envolvidos no resultado de um jogo e na conquista de um título, opiniões e condutas que eram erradas passam a ser corretas, e outras corretas passam a ser erradas. Contra fatos, há argumentos.

A cada dia, mais gente fala de futebol, principalmente em programas esportivos. Opiniões brilhantes passam a ter o mesmo valor que as medíocres. E ainda dizem: "É a sua opinião contra a minha".

Muitos telespectadores, ouvintes e leitores não querem saber de discussões, análises e dúvidas. Querem saber de opiniões definitivas, radicais, polêmicas ou quem vai ganhar o jogo. Dão mais audiência.

É também difícil ser um observador totalmente neutro. Carregamos com as análises nossos conceitos, pré-conceitos, preconceitos e emoções. O fato, a verdade de hoje, pode ser uma mentira amanhã. As coisas vão e voltam. "A vida dá muitas voltas. A vida nem é da gente." (João Guimarães Rosa)

Quase iguais
Marcão, do Palmeiras, e o argentino Heinze são parecidos fisicamente, canhotos, jogam mal de zagueiro, pior ainda de lateral, e possuem a mesma e única virtude, são bons na jogada aérea. Deve ser por isso que os técnicos gostam tanto dos dois. Heinze teve mais sorte. Atua na seleção argentina e já jogou em grandes equipes da Europa.


Comentário:
O debate de ideias não poderia cair na mediocridade do "opinião é como bunda, cada um tem a sua". A frase da filosofia butequeira é engraçada, mas não deveria ser a máxima de "especialistas" que se predispõem a não conviver com ideias diferentes das que atendem seus interesses.

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Tolerância

"e o santo quieto, deixando que elas lhe contornassem o pescoço e os emblemas, como se não tivesse outro ofício que esse de dar pouso às pombas".
Machado de Assis, O câmbio e as pombas


Transcrevo aqui um artigo interessante, publicado hoje pela Folha de S. Paulo. A minha análise sobre o tema é na linha do que disse Fiat Sentencius: "Há homens que maltratam o filósofo. Eles afirmam: posso não concordar com sequer uma palavra do que dizes, mas defenderei até a morte o direito de dizê-las. Desde que diga o que me interessa".


Véu islâmico, laicidade e liberdade religiosa

PAULO GUSTAVO GUEDES FONTES

Laicismo é uma deturpação da laicidade. Ele perde de vista a liberdade religiosa e quer impor à população uma forma de secularização

DEPOIS DE provocar muita polêmica em 2004, quando seu uso foi proibido nas escolas públicas francesas, o véu islâmico voltou a agitar a política da França e da Europa neste ano.

No último dia 22 de junho, o presidente francês, Nicolas Sarkozy, manifestou aos deputados e senadores da França o seu repúdio ao uso da burca e do chador e seu apoio a eventual ato legislativo que pretenda proibi-los no território francês. (A burca e o chador nada mais são do que a versão mais fechada do véu islâmico.)

Sarkozy afirmou, na ocasião, que a questão não teria caráter religioso, mas diria respeito à igualdade entre homens e mulheres. Para o presidente francês, a burca é um signo de submissão das mulheres.

Nessa mesma linha, em 4 de dezembro de 2008, a Corte Europeia dos Direitos Humanos, sediada em Estrasburgo, considerou justificada a expulsão de duas alunas muçulmanas de uma escola pública francesa por terem se recusado a retirar o véu nas aulas de educação física. Aquela corte entendeu que não houve desrespeito à liberdade religiosa.

Contudo, tais medidas podem, sim, ferir gravemente a liberdade de crença e de religião. É compreensível que se proíba o uso de signos religiosos pelos representantes do Estado, como juízes, policiais ou mesmo professores de escolas públicas. Mas que tal proibição atinja o próprio cidadão na sua vida privada, isso constitui uma deturpação do princípio da laicidade.
Não se pode entender a laicidade do Estado sem referência à liberdade religiosa. É a outra face da moeda.

Por que razão o Estado deve ser laico? Porque, representando todos os cidadãos, não poderia abraçar uma opção religiosa sem alienar dessa representação os cidadãos de outra crença ou mesmo os que não professem religião alguma. Assim, a liberdade de religião, aliada a uma nova concepção do Estado e da igualdade, está na origem da laicidade.

De qualquer forma, é aos agentes e funcionários do Estado que o princípio da laicidade se dirige, vedando que expressem, no exercício da função pública, suas preferências religiosas. Os edifícios públicos, da mesma maneira, deveriam manifestar essa neutralidade diante da religião.

A laicidade é exigida sempre do Estado, nunca do cidadão, do particular, para o qual vale a liberdade de professar qualquer crença ou religião. A menina que vai à escola francesa não representa o Estado. É para que os cidadãos possam usar crucifixos, véus ou quaisquer signos religiosos que o Estado se laicizou, que se tornou neutro diante da opção religiosa.

Vedar à jovem o uso do véu islâmico, mesmo na escola pública, é violentar sua liberdade religiosa, mormente pela importância que essa questão tem para as mulheres muçulmanas.

Vedar o seu uso no território de um país é medida que remete às guerras de religião.

O que tem sido professado na França é uma deturpação da laicidade, o laicismo, versão militante daquela.

Ele perde de vista a liberdade religiosa e quer impor à população uma forma de secularização.
Norberto Bobbio estabelece essa distinção. Para ele, a laicidade, ou o espírito laico, não é em si uma nova cultura, mas uma condição de convivência de todas as possíveis culturas.

Por outro lado, assevera que o laicismo que "necessite armar-se e organizar-se corre o risco de converter-se numa igreja em oposição às demais".

Por fim, parece igualmente autoritário o argumento de Sarkozy de que a proibição visaria à igualdade entre homens e mulheres.

Ainda que se considere o véu islâmico incompatível, mormente na forma da burca, com a visão que temos da mulher no Ocidente, ele é certamente um signo religioso.

Se uma mulher oculta seu rosto e cabelos -ou o corpo inteiro- por respeito à religião ou se o faz por medo do marido ou do militante islâmico do bairro, só ela pode saber.

Na dúvida, para não ferir algo tão íntimo e inviolável quanto a liberdade de crença e de religião e para não retrocedermos alguns séculos, é melhor deixar que ela retire o seu véu espontaneamente, convencida que venha a ser disso pela cultura ocidental da igualdade, da liberdade e da fraternidade -que costumavam ser a divisa dos franceses.

PAULO GUSTAVO GUEDES FONTES , mestre direito público pela Universidade de Toulouse (França), é procurador da República em Sergipe.

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Com calma

"Olhou para a criatura que tinha a seu lado: a lua lhe batia em cheio no rosto. De tão claros, seus olhos pareciam vazios"
Érico Veríssimo, Um Certo Capitão Rodrigo

Alguns textos merecem ser lidos em um ritmo mais lento do que a internet costuma nos impor.
Percebi o óbvio ontem, quando quase deixei de notar a beleza do trecho acima.

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Releaseportagem

E toda a gente pensa que fazer literatura é falar ou escrever bonito. Bonito entre nós às vezes quer dizer difícil. Às vezes tolo. Quase sempre eloqüente.
Alcântara Machado, Genialidade brasileira

Um conceito: release é o texto enviado às redações por assessores de imprensa, com o objetivo de informar sobre atividades de seus clientes. Normalmente, a partir dessa sugestão de pauta, os jornalistas de redação apuram as informações e, de acordo com as características editoriais e o interesse do leitor, publicam ou não reportagem sobre o assunto.


Esperei que algum comentarista mais qualificado destacasse o assunto, mas como não li algo até agora, quero chamar atenção a um caso interessante do que chamarei de “releaseportagem”. Foi publicado ontem no principal jornal do País.

Em comemoração aos 30 anos de ANJ (Associação Nacional de Jornais), foi realizado em Brasília um painel sobre liberdade de expressão e o futuro do jornalismo. Até aí tudo normal: entidade importante, tema de interesse público.

Uma cobertura do evento seria justificável e útil para o leitor. Mas o texto foi publicado antes de sua realização.

Agora ficou estranho: até quem não trabalha na área sabe que no jornal há três espaços para coisas que irão acontecer: horóscopo, agenda cultural e anúncio publicitário. Quem escreve sobre o que “está planejado” é assessoria de imprensa, para que a redação possa cobrir a atividade, se tiver interesse.

Mas não sejamos preconceituosos. Digamos que a intenção do jornal foi prestar um serviço ao leitor de Brasília que pudesse acompanhar o painel, iniciado às 14h30. Bom, mesmo com boa vontade, o texto seria classificado como “releaseportagem”.

Explico como. Antes de anunciar informar a realização do evento, há um histórico da ANJ. Novamente, tudo normal, a princípio. Entidade importante e tema de interesse público. O problema no caso foi a omissão de análises críticas sobre a atuação da ANJ. Para alguns analistas de mídia e profissionais de imprensa, a Associação defende apenas a liberdade de empresa. (Outro conceito interessante, que abordaremos em ocasião oportuna).

Uma das opiniões escolhidas está no quarto parágrafo do “releaseportagem”. A declaração é da presidente da ANJ, Judith Brito: “O saudoso publisher da Folha, Octavio Frias de Oliveira [1912-2007], resumiu a ideia numa frase forte, dita em 2003: ‘O que interessa ao governo é a mídia de joelhos. Não uma mídia morta. Uma mídia independente não interessa a governo nenhum’”.

Para completar, ao lado do texto principal, estava o release a resenha sobre o livro “A Força dos Jornais”. Quem são os autores? Judith Brito e Ricardo Pedreira, presidente e diretor-executivo da ANJ.

Contando título, linha-fina, olho e texto, as matérias somaram 5630 caracteres. Na mesma página, a reportagem sobre a ineficiência das buscas por ossadas de guerrilheiros na região do Araguaia teve 2400.

Outros “releaseportagens” sobre o tema foram publicados em diversos jornais do país. O motivo é óbvio.


Os textos, para quem não tem acesso ao jornal:

ANJ completa 30 anos de luta contra censura

Proprietários de jornais criaram associação em 1979 para defender a liberdade de imprensa e aprimorar a indústria jornalística

Presidente da entidade afirma que a associação continua com a missão de sempre defender o direito da sociedade à informação

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A ANJ (Associação Nacional de Jornais) completa nesta semana 30 anos de existência. A entidade representa as principais publicações diárias do país e foi criada numa sala do jornal "O Dia", no Rio de Janeiro, em 17 de agosto de 1979.
O Brasil ainda vivia o final da ditadura militar, que só terminou em 1985. Os proprietários de jornais consideraram ser necessária uma associação para defender a liberdade de imprensa, trocar informações sobre as melhores práticas no setor e trabalhar para aprimorar a indústria jornalística.
Hoje, mais de 140 jornais de todas as unidades da Federação são associados da ANJ. Juntos, são responsáveis por cerca de 90% da circulação diária média no país. "Hoje, vivemos numa democracia. Mas a missão da ANJ continua a mesma, porque para a liberdade de expressão não existe um "fim da história". Trata-se de um processo contínuo. A sociedade precisa estar sempre alerta e disposta a defender seu direito à informação", diz Judith Brito, presidente da ANJ e diretora-superintendente do Grupo Folha.
"O saudoso publisher da Folha, Octavio Frias de Oliveira [1912-2007], resumiu a ideia numa frase forte, dita em 2003: "O que interessa ao governo é a mídia de joelhos. Não uma mídia morta. Uma mídia independente não interessa a governo nenhum'", lembra Judith.
Para celebrar seus 30 anos de existência, a ANJ realiza hoje, em Brasília, um painel sobre liberdade de expressão e o futuro do jornalismo. Uma campanha em jornais, revistas, TV e rádio também será veiculada, chamando a atenção da sociedade para a importância dos jornais na construção da liberdade de imprensa e da cidadania.
O painel "Liberdade de Expressão e o Futuro do Jornalismo: o que dizem os jornalistas" começa às 14h30 no Centro de Eventos e Convenções Brasil 21. O convidado principal é o jornalista grego-britânico Iason Athanasiadis, que ficou preso 20 dias no Irã por causa de sua cobertura sobre as manifestações contra o resultado da eleição que reconduziu Mahmoud Ahmadinejad ao poder.
O painel contará ainda com Merval Pereira (colunista de "O Globo"), Marcelo Rech (diretor-geral de Produto do Grupo RBS), Daniel Piza (editor-executivo e colunista de "O Estado de S. Paulo"), Carlos Eduardo Lins da Silva (ombudsman da Folha) e Alon Feuerwerker (colunista do "Correio Braziliense"). O mediador será Fernando Rodrigues, repórter da Folha e diretor do Comitê Editorial da ANJ.
Também faz parte das comemorações o lançamento do livro "A Força dos Jornais", de autoria de Judith Brito e do jornalista Ricardo Pedreira, diretor-executivo da ANJ. A obra relata as origens da entidade, descrevendo a trajetória dos jornais nos últimos 30 anos.
À noite, no Brasília Palace Hotel, haverá um jantar e entrega do Prêmio ANJ de Liberdade de Imprensa ao deputado federal Miro Teixeira (PDT-RJ), autor da ação no Supremo Tribunal Federal que resultou no fim da Lei de Imprensa herdada do regime militar.


Livro traça um panorama da imprensa no Brasil

DA REDAÇÃO

Para comemorar os 30 anos da ANJ (Associação Nacional de Jornais), Judith Brito e Ricardo Pedreira -presidente e diretor-executivo da entidade- lançam hoje o livro "A Força dos Jornais", que traça um panorama da imprensa no Brasil desde o primeiro mensário ("Correio Braziliense", editado em Londres) até o presente, quando ela enfrenta a concorrência de outros meios como a TV, o rádio e a internet.
No primeiro capítulo, os autores descrevem o surgimento da imprensa no país, com a chegada da família real em 1808, e a progressiva substituição dos pequenos jornais partidários -que marcaram a era imperial- por empresas sólidas, de perfil industrial, que viviam de anúncios e de assinaturas.
A consolidação dos jornais como veículos da opinião pública durante o período republicano, porém, induziu vários presidentes a tentarem controlar a imprensa. Floriano Peixoto fechou o "Jornal do Brasil" em 1893, e depois obrigou seu diretor editorial, Rui Barbosa, a ir para o exílio; em 1940, Getúlio Vargas decretou intervenção em "O Estado de S. Paulo".
Os jornais voltaram a sofrer essas pressões depois do golpe de 1964. Em 1969, o "Correio da Manhã" foi extinto, após ter edições apreendidas e ser invadido pela polícia. A censura tornou-se mais rígida a partir de 1970. Em 1977, apesar da política de distensão política do general Ernesto Geisel, o chefe da Casa Militar, general Hugo Abreu, chegou a dizer que a Folha poderia ser fechada se insistisse nas críticas ao regime.
Grupos mais radicais chegaram a queimar e explodir bancas de jornal, numa clara tentativa de intimidar a imprensa.
É nessa conjuntura que Cláudio Chagas Freitas, do jornal "O Dia", articula a criação da ANJ, fundada em 17 de agosto de 1979. Já no ano seguinte a entidade barrou a criação de um órgão estatal para controlar os anúncios. Após a redemocratização do país, em 1985, conseguiu assegurar a inclusão, na nova Constituição, do princípio da liberdade de expressão e do veto a todo tipo de censura.
Nos anos 90, a ANJ coordenou o processo de padronização gráfica dos jornais e conseguiu impedir a aprovação, pelo Congresso, de uma lei que previa pena de prisão para jornalistas e apreensão de jornais e revistas -até que em 2009 o Supremo Tribunal Federal revogou a Lei de Imprensa herdada da ditadura militar.

LIVRO - "A Força dos Jornais"
Judith Brito e Ricardo Pedreira; Associação Nacional de Jornais; 151 págs.

terça-feira, 7 de julho de 2009

Mais uma aula

No lugar do diploma, poderíamos exigir o estudo aprofundado e o acompanhamento de tudo que escreve Carlos Heitor Cony.

A crônica de hoje, publicada pela Folha de S. Paulo, é imperdível para qualquer profissional de comunicação:

Uma entrevista

CARLOS HEITOR CONY
RIO DE JANEIRO - Sem desdenhá-lo, confesso que nunca dei muita bola para Michael Jackson enquanto vivo, nem estou dando depois que morreu. Mesmo assim, esta é a segunda crônica que escrevo sobre ele, sinal que de alguma forma ele -como pessoa e não como artista- me impressionou.
Pela primeira vez, vi no último domingo uma entrevista do cantor com um jornalista, do qual não guardei nome e figura, que foi uma aula de como se deve abordar polemicamente um personagem polêmico. Perguntou tudo o que devia perguntar, mas de forma serena, entrou feio e forte em assuntos delicados, como a propalada pedofilia do artista. Não o irritou nem o provocou.
Apenas uma vez intrometeu-se pessoalmente na conversa. Michael confirmou que levava amiguinhos de seus filhos para dormir com ele, na mesma cama. O entrevistador entrou na história com um comentário espontâneo, mas letal: "Eu não gostaria que meu filho fosse para a sua cama".
Os manuais de jornalismo condenam os comentários pessoais durante as entrevistas e reportagens de caráter geral, privilegiando a objetividade e a isenção. Mesmo assim, Michael saiu-se bem, dizendo que o entrevistador dava à palavra "cama" uma conotação de sexo -o que na realidade é comum, ir para cama com alguém equivale potencialmente a um ato sexual.
Nada disso -disse o artista. "Deito com as crianças, ouvimos música, leio histórias para elas, comemos biscoitos." O jornalista passou para outro assunto, não mais se introduziu na entrevista, deixando o entrevistado falar o que quis, respeitando o que ele dizia.
Conheci um repórter que entrevistava um cara perguntando se ele era corno, o cara dizia "eu não", mas ele insistia: "Não adianta negar, eu sei que o senhor é corno!".

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Função

Como é absurda e egoisticamente irracional amor de pai! Mais que ódio de fera.
Antonio Maria, Conversa de pai e filha


Um economista, orgulhoso do filho sabichão, resolveu mostrar a inteligência do garoto para os colegas que participavam de uma reunião informal em sua casa. Mandou chamar o rapaz, de oito anos.

- Filho, você pode dizer a eles para que serve um banco público?
- Posso sim, papai. Serve para as pessoas sentarem.

Mesmo que distante do esperado, a resposta é válida para lembrar a real função das instituições públicas. Além de dizer para que serve um banco público, o jovem respondeu a quem ele deve servir. É simples. Instituições públicas devem servir ao povo. No mundo capitalista, a função é essencial para contrapor a lógica do mercado, que tende à extinção dos mais fracos.

Nessa ótica, o financiamento de imóveis pelo Banco do Brasil, como auxilio à Caixa Econômica Federal, é adequado. Mesmo que alguns avaliem a iniciativa como eleitoreira. Na realidade, o banco deve ser criticado por não servir os brasileiros nos anos que passaram e deve ser cobrado para servir a população ampla e continuamente.

Enquanto isso, a principal instituição financeira do setor público está fora de função. A atuação independente do Banco Central mostra que sua diretoria não tem interesse no crescimento do país. A turma de Meirelles usa o banco público como (instituição) privada.

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Bom de bola e de cabeça

* Antes de qualquer coisa, peço desculpas pela falta de atualização. Muita coisa para fazer no trabalho e fora dele dá nisso. Tenho certeza que todos os meus dois leitores entenderão.


A pura, a santa verdade é a seguinte: - qualquer jogador brasileiro, quando se desamarra de suas inibições e se põe em estado de graça, é algo de único em matéria de fantasia, de improvisação, de invenção. Em suma: - temos dons em excesso.
Nelson Rodrigues, Complexo de vira-latas


Para quem está acostumado aos discursos simplórios dos jogadores de futebol no Brasil, é alentadora a entrevista que Lilian Thuram concedeu ao Le Monde, sobre a greve geral que paralisa o território ultramarino de Guadalupe (sua terra natal) desde 20 de janeiro.

Thuram é o jogador com o maior número de partidas por sua seleção: 140. Parou de jogar no início de 2009, com 37 anos, quando descobriu que tem um problema cardíaco.

Clique aqui e leia a entrevista.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Primeiras impressões

Publico com atraso o comentário de ontem. Peço perdão e paciência aos leitores.


Quantas vezes já não fomos ventos devastadores na vida das criaturas? Quantas ruínas já não deixamos atrás de nós?
Marques Rebelo, Páginas das páginas


No dia da posse, achei melhor não comentar o governo Obama enquanto as primeiras ações não fossem colocadas em prática. Confesso, entretanto, que não esperava ter assunto logo no primeiro dia de trabalho do novo presidente dos EUA.

Para nós da América Latina, é impressionante a diferença que faz um pouco de planejamento. Um processo de transição bem conduzido permitiu que, logo após assumir o cargo, o novo presidente suspendesse todos os julgamentos de Guantánamo por 120 dias, para que sua equipe analise os processos e o tratamento destinado aos presos.

Esta provavelmente é a primeira ação de uma série que deve culminar com o fechamento do centro de detenção conhecido, durante os governos Bush-II, pela prática de tortura contra acusados de terrorismo.

A prisão, que fica numa base militar dos EUA em Cuba, foi criada por George W. Bush após o 11 de setembro, para guardar os cativos da “guerra ao terror”. Milhares foram capturados. Muitos foram soltos por falta de provas. Alguns foram presos e torturados na volta a seus países. Outros se suicidaram. Restam 245 prisioneiros.

Obama também se reuniu com a equipe de Defesa do país para discutir a retirada das tropas estadunidenses no Iraque. No mesmo dia, telefonou para líderes políticos do Oriente Médio (Egito, Israel e Palestina) para reafirmar sua disposição a colaborar com a busca da paz entre árabes e hebreus.

O primeiro presidente negro dos EUA faz um bom começo de gestão. Tomara que as primeiras impressões fiquem firmes nos próximos anos.

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Em branco

[...] respondeu-me com aquele gesto de ignorância, que consiste em fazer cair os cantos da boca. Se bem me lembro, acrescentou o gesto de abrir os braços com as mãos espalmadas, que é a mesma ignorância em itálico.
Machado de Assis, O câmbio e as pombas


O homem faz a história ou a história faz o homem?


Por enquanto, os principais temas da semana (pelo menos em São Paulo) são a queda do telhado na igreja Renascer e a posse de Obama. Me abstenho de comentar os dois assuntos. No primeiro, ainda há escassez de informações. No segundo, é melhor esperar as primeiras ações em silêncio do que exercitar futurologia.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Crescer na crise

Não houve atualização na sexta-feira porque estava em viagem de trabalho, sem acesso à internet. Hoje a rotina volta ao normal.


Se descansasse? Mas não pode. É da engrenagem. Dentro do seu peito estrangulam-se todos os sentimentos. A falta de tempo, numa ambição desvairada que o faz querer tudo, a terra, o mar, o ar, o céu, os outros astros para explorar, para apanha-los, para condensa-los em sua algibeira, impele-o violentamente.
João do Rio, O dia de um homem em 1920


A “Entrevista da 2ª”, na Folha Dinheiro, trouxe a análise do economista e professor em Cambridge Ha-Joon Chang sobre o crescimento da economia brasileira.

No sentido do que se publicou aqui recentemente, destaco alguns trechos. Além desses, ainda há análises sobre comércio e competição internacional.

“O maior problema do país tem sido do lado da demanda, uma dificuldade criada pela política monetária excessivamente conservadora, com elevada taxa de juros e enorme superávit primário”

“Eu fico realmente com raiva, porque o Brasil está desperdiçando o grande potencial que possui. É de cortar o coração que esteja voluntariamente se atrasando. Do jeito que é feito, o controle da inflação mata o crescimento”

FOLHA - O senhor acha que os bancos centrais devem ser independentes para decidir essas políticas?
CHANG - Não. Trata-se de uma instituição tão importante, precisa prestar contas. Dada a sua natureza, o banco central tende a favorecer o crescimento do sistema financeiro. Os seus executivos não estão deliberadamente aniquilando os outros setores, mas são naturalmente influenciados por outros banqueiros, com os quais se encontram regularmente.

“Esta é a grande chance. Se o país perder a atual oportunidade, quando vai diminuir os juros? Daqui a três ou quatro anos, quando os outros países voltarem a subir suas taxas, será tarde”

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Sujeira

Enquanto houver tolos que queiram ser enganados, eles próprios inventarão quem os engane.
Olavo Bilac, As cartomantes


Apesar das extraordinárias dimensões auriculares, Paulo Skaf, presidente da Fiesp, parece nunca ter ouvido falar de responsabilidade social. Para defender o posicionamento da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo - diminuir jornadas e salários sem garantir o emprego dos trabalhadores – fez a seguinte declaração:

- Precisa ficar bem entendido que nós não estamos falando de garantia de emprego porque isso não está na lei do país e isso não está na competitividade do mundo. A estabilidade engessa e nós não queremos andar para trás.

Como Skaf não se detém em falar besteiras, concluímos que, apesar da extraordinária dimensão nasal, o sindicalista dos ricos não se preocupa com o cheiro de esgoto.

Econômica

Como complemento ao texto de ontem, destaco um bom exemplo de como o governo pode incentivar o consumo e ajudar no controle da crise financeira:

Bird elogia o Bolsa Família no combate à crise financeira

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Sintonia

Não tenho relações diretas com o câmbio; não saco sobre Londres, nem sobre qualquer outro ponto da terra, que é assaz vasta, e eu demasiado pequeno
Machado de Assis, O câmbio e as pombas



Como leigo, me arrisco a comentar uma aparente contradição da economia nacional.

“O BC não pode viver numa esfera apartada da Nação. O Banco Central é um banco; deveria agir como tal, desdobrando-se em esforços para prover a economia de crédito a custos compatíveis; e não se portar como um governo paralelo”.

A frase é de Luiz Gonzaga Belluzzo, professor do Instituto de Economia da Unicamp. A declaração foi publicada numa reportagem da Agência Carta Maior sobre a manutenção da taxa básica de juros.

O mundo enfrenta uma crise de crédito. Ou seja, ficou muito caro tomar dinheiro emprestado. Assim, as empresas não conseguem realizar investimentos e as pessoas têm que comprar menos. Em um momento como esse, o mais indicado para instituições públicas seria facilitar o crédito e incentivar o consumo. Colocar mais dinheiro para “rodar” a economia. O BC faz o contrário.

A crítica faz ainda mais sentido quando se comparam as condutas do governo e do Banco Central. Dentro de suas limitações políticas, a equipe do presidente Lula adota iniciativas positivas (mesmo que insuficientes). A previsão de aumento no salário mínimo e a redução do IPI para carros populares são bons exemplos.

Do outro lado, a direção do Banco Central atua com autonomia, apesar de ser organicamente subordinada à presidência. A independência é importante para consolidar a imagem de um país comprometido com a estabilidade econômica, mas não pode produzir retrocessos.


No meio deste texto, lembrei de algo escrito em janeiro de 2007:

Poesia econômica e autonomia do BC
O chefe chegou: é pê á cê!
Mas depende do bê cê,
que manda mais que o pê tê
e mais que eu e que você
desde o tempo éfi agá cê.

Que autonomia, que prazer:
Quem mandaria quer fazer,
Mas quem faria, se abstém.
E o gigante, como está?
Novamente a adormecer.


* A matéria citada no segundo parágrafo pode ser acessada aqui. O texto é bem carregado ideologicamente, mas a análise de Belluzzo é esclarecedora.

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Na fronteira

Há uma linha tênue entre o engraçado e o infame.


Inocência

A verdadeira inteligência é a que se limita para evitar dissabores
João do Rio, Um mendigo original



A natureza humana produz situações especialmente intrigantes. A benevolente tendência a apoiar o lado mais fraco de um embate pode levar à crença de que existem inocentes até em disputas bélicas ou políticas. E até professor de gramática ensina que nesses casos, infelizmente, o vocábulo não se aplica.

A ofensiva judaica na faixa de Gaza não é um ato de insanidade iniciado sem motivação externa, como alguns fazem parecer. É uma resposta (desproporcional) a ataques contra a população civil de Israel realizados por um grupo que tem como princípio o extermínio do povo hebreu.

Tal “partido” conseguiu tomar o poder numa região desocupada em 2005 pelos judeus, num processo cujo objetivo era permitir a criação de um Estado palestino independente. Quando Israel tentou o caminho da moderação, a vitória do Hamas (em 2006) reacendeu as chamas que aquecem a fervente panela do oriente médio.

A estupidez das soluções bélicas continua indefensável, mas toda história tem pelo menos dois lados.

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

O retorno

Após seis meses e 23 dias incomparavelmente tranquilos e felizes, os dois leitores deste blog recebem uma péssima notícia: o período de estivação acabou. Com este texto, recomeço as atualizações regulares da página.

A ausência, de certo modo, é justificável. Desde a última postagem, outros trabalhos (que me rendem dividendos financeiros e acadêmicos) exigiram que todas as horas não destinadas à alimentação, ao sono ou à saúde física e espiritual fossem dedicadas a eles. Com exclusividade.

O esforço culminou com a realização de um bom projeto (modéstia à parte). O livro-reportagem "Retratos da resistência - Histórias da Ação Popular no ABC" foi escrito em parceria com Antonio Strini, Duda Carlini, Marcio Hasegava e Vinicius Romero e apresentado como trabalho de conclusão em nosso curso (jornalismo). Ao longo do dia, tentarei disponibilizar uma versão em pdf para baixarem.

Feito o mea culpa, inauguro uma nova prática no blog. A "Frase do dia" não é diária, mas tenta trazer citações relacionadas à postagem escritas por autores que valem a pena.

O instrumento da riqueza era também o do castigo. Esta é uma das misericórdias da Divina Natureza. Não importa: laboremus.
Machado de Assis, O livreiro Garnier

* Atualização:
Consegui um link para baixarem o livro: