quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Releaseportagem

E toda a gente pensa que fazer literatura é falar ou escrever bonito. Bonito entre nós às vezes quer dizer difícil. Às vezes tolo. Quase sempre eloqüente.
Alcântara Machado, Genialidade brasileira

Um conceito: release é o texto enviado às redações por assessores de imprensa, com o objetivo de informar sobre atividades de seus clientes. Normalmente, a partir dessa sugestão de pauta, os jornalistas de redação apuram as informações e, de acordo com as características editoriais e o interesse do leitor, publicam ou não reportagem sobre o assunto.


Esperei que algum comentarista mais qualificado destacasse o assunto, mas como não li algo até agora, quero chamar atenção a um caso interessante do que chamarei de “releaseportagem”. Foi publicado ontem no principal jornal do País.

Em comemoração aos 30 anos de ANJ (Associação Nacional de Jornais), foi realizado em Brasília um painel sobre liberdade de expressão e o futuro do jornalismo. Até aí tudo normal: entidade importante, tema de interesse público.

Uma cobertura do evento seria justificável e útil para o leitor. Mas o texto foi publicado antes de sua realização.

Agora ficou estranho: até quem não trabalha na área sabe que no jornal há três espaços para coisas que irão acontecer: horóscopo, agenda cultural e anúncio publicitário. Quem escreve sobre o que “está planejado” é assessoria de imprensa, para que a redação possa cobrir a atividade, se tiver interesse.

Mas não sejamos preconceituosos. Digamos que a intenção do jornal foi prestar um serviço ao leitor de Brasília que pudesse acompanhar o painel, iniciado às 14h30. Bom, mesmo com boa vontade, o texto seria classificado como “releaseportagem”.

Explico como. Antes de anunciar informar a realização do evento, há um histórico da ANJ. Novamente, tudo normal, a princípio. Entidade importante e tema de interesse público. O problema no caso foi a omissão de análises críticas sobre a atuação da ANJ. Para alguns analistas de mídia e profissionais de imprensa, a Associação defende apenas a liberdade de empresa. (Outro conceito interessante, que abordaremos em ocasião oportuna).

Uma das opiniões escolhidas está no quarto parágrafo do “releaseportagem”. A declaração é da presidente da ANJ, Judith Brito: “O saudoso publisher da Folha, Octavio Frias de Oliveira [1912-2007], resumiu a ideia numa frase forte, dita em 2003: ‘O que interessa ao governo é a mídia de joelhos. Não uma mídia morta. Uma mídia independente não interessa a governo nenhum’”.

Para completar, ao lado do texto principal, estava o release a resenha sobre o livro “A Força dos Jornais”. Quem são os autores? Judith Brito e Ricardo Pedreira, presidente e diretor-executivo da ANJ.

Contando título, linha-fina, olho e texto, as matérias somaram 5630 caracteres. Na mesma página, a reportagem sobre a ineficiência das buscas por ossadas de guerrilheiros na região do Araguaia teve 2400.

Outros “releaseportagens” sobre o tema foram publicados em diversos jornais do país. O motivo é óbvio.


Os textos, para quem não tem acesso ao jornal:

ANJ completa 30 anos de luta contra censura

Proprietários de jornais criaram associação em 1979 para defender a liberdade de imprensa e aprimorar a indústria jornalística

Presidente da entidade afirma que a associação continua com a missão de sempre defender o direito da sociedade à informação

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A ANJ (Associação Nacional de Jornais) completa nesta semana 30 anos de existência. A entidade representa as principais publicações diárias do país e foi criada numa sala do jornal "O Dia", no Rio de Janeiro, em 17 de agosto de 1979.
O Brasil ainda vivia o final da ditadura militar, que só terminou em 1985. Os proprietários de jornais consideraram ser necessária uma associação para defender a liberdade de imprensa, trocar informações sobre as melhores práticas no setor e trabalhar para aprimorar a indústria jornalística.
Hoje, mais de 140 jornais de todas as unidades da Federação são associados da ANJ. Juntos, são responsáveis por cerca de 90% da circulação diária média no país. "Hoje, vivemos numa democracia. Mas a missão da ANJ continua a mesma, porque para a liberdade de expressão não existe um "fim da história". Trata-se de um processo contínuo. A sociedade precisa estar sempre alerta e disposta a defender seu direito à informação", diz Judith Brito, presidente da ANJ e diretora-superintendente do Grupo Folha.
"O saudoso publisher da Folha, Octavio Frias de Oliveira [1912-2007], resumiu a ideia numa frase forte, dita em 2003: "O que interessa ao governo é a mídia de joelhos. Não uma mídia morta. Uma mídia independente não interessa a governo nenhum'", lembra Judith.
Para celebrar seus 30 anos de existência, a ANJ realiza hoje, em Brasília, um painel sobre liberdade de expressão e o futuro do jornalismo. Uma campanha em jornais, revistas, TV e rádio também será veiculada, chamando a atenção da sociedade para a importância dos jornais na construção da liberdade de imprensa e da cidadania.
O painel "Liberdade de Expressão e o Futuro do Jornalismo: o que dizem os jornalistas" começa às 14h30 no Centro de Eventos e Convenções Brasil 21. O convidado principal é o jornalista grego-britânico Iason Athanasiadis, que ficou preso 20 dias no Irã por causa de sua cobertura sobre as manifestações contra o resultado da eleição que reconduziu Mahmoud Ahmadinejad ao poder.
O painel contará ainda com Merval Pereira (colunista de "O Globo"), Marcelo Rech (diretor-geral de Produto do Grupo RBS), Daniel Piza (editor-executivo e colunista de "O Estado de S. Paulo"), Carlos Eduardo Lins da Silva (ombudsman da Folha) e Alon Feuerwerker (colunista do "Correio Braziliense"). O mediador será Fernando Rodrigues, repórter da Folha e diretor do Comitê Editorial da ANJ.
Também faz parte das comemorações o lançamento do livro "A Força dos Jornais", de autoria de Judith Brito e do jornalista Ricardo Pedreira, diretor-executivo da ANJ. A obra relata as origens da entidade, descrevendo a trajetória dos jornais nos últimos 30 anos.
À noite, no Brasília Palace Hotel, haverá um jantar e entrega do Prêmio ANJ de Liberdade de Imprensa ao deputado federal Miro Teixeira (PDT-RJ), autor da ação no Supremo Tribunal Federal que resultou no fim da Lei de Imprensa herdada do regime militar.


Livro traça um panorama da imprensa no Brasil

DA REDAÇÃO

Para comemorar os 30 anos da ANJ (Associação Nacional de Jornais), Judith Brito e Ricardo Pedreira -presidente e diretor-executivo da entidade- lançam hoje o livro "A Força dos Jornais", que traça um panorama da imprensa no Brasil desde o primeiro mensário ("Correio Braziliense", editado em Londres) até o presente, quando ela enfrenta a concorrência de outros meios como a TV, o rádio e a internet.
No primeiro capítulo, os autores descrevem o surgimento da imprensa no país, com a chegada da família real em 1808, e a progressiva substituição dos pequenos jornais partidários -que marcaram a era imperial- por empresas sólidas, de perfil industrial, que viviam de anúncios e de assinaturas.
A consolidação dos jornais como veículos da opinião pública durante o período republicano, porém, induziu vários presidentes a tentarem controlar a imprensa. Floriano Peixoto fechou o "Jornal do Brasil" em 1893, e depois obrigou seu diretor editorial, Rui Barbosa, a ir para o exílio; em 1940, Getúlio Vargas decretou intervenção em "O Estado de S. Paulo".
Os jornais voltaram a sofrer essas pressões depois do golpe de 1964. Em 1969, o "Correio da Manhã" foi extinto, após ter edições apreendidas e ser invadido pela polícia. A censura tornou-se mais rígida a partir de 1970. Em 1977, apesar da política de distensão política do general Ernesto Geisel, o chefe da Casa Militar, general Hugo Abreu, chegou a dizer que a Folha poderia ser fechada se insistisse nas críticas ao regime.
Grupos mais radicais chegaram a queimar e explodir bancas de jornal, numa clara tentativa de intimidar a imprensa.
É nessa conjuntura que Cláudio Chagas Freitas, do jornal "O Dia", articula a criação da ANJ, fundada em 17 de agosto de 1979. Já no ano seguinte a entidade barrou a criação de um órgão estatal para controlar os anúncios. Após a redemocratização do país, em 1985, conseguiu assegurar a inclusão, na nova Constituição, do princípio da liberdade de expressão e do veto a todo tipo de censura.
Nos anos 90, a ANJ coordenou o processo de padronização gráfica dos jornais e conseguiu impedir a aprovação, pelo Congresso, de uma lei que previa pena de prisão para jornalistas e apreensão de jornais e revistas -até que em 2009 o Supremo Tribunal Federal revogou a Lei de Imprensa herdada da ditadura militar.

LIVRO - "A Força dos Jornais"
Judith Brito e Ricardo Pedreira; Associação Nacional de Jornais; 151 págs.