quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Tempo

O homem só tem duas missões importantes: amar e escrever à máquina. Escrever com dois dedos e amar com a vida inteira
Antônio Maria, Café com leite

Semana passada, no twitter, prometi que publicaria esse texto novamente. Só encontrei hoje, com ajuda do Felipe Torres (dono do pinkego.wordpress.com), a quem agradeço. O colega citado na crônica (se os cronistas de verdade me permitem chamar assim estas linhas) é o Tonhão Strini, dono do plantaodotonhao.wordpress.com.

Como eu soube da morte de Mario Zan
Todo dia é dia de aprender

Oito de novembro. Lançamento do livro de grandes reportagens do fantástico, salão nobre da Universidade Metodista de São Paulo. Para as apresentações, vieram Ricardo Kotscho, Luiz Carlos Azenha, Geneton Moraes Neto e José Hamilton Ribeiro. O último é o mais experiente e admirado por público e colegas. Suas histórias comovem, fazem rir, têm detalhes que pessoas comuns deixam passar. Quando chamado à mesa, o auditório aplaude sua sabedoria, ainda que não tenha dito sequer uma palavra.

O debate é descontraído. O jornalista de obituário, personagem recorrente nas brincadeiras da profissão, é lembrado algumas vezes. Ribeiro faz graça até com o episódio em que perdeu uma perna, na cobertura da guerra do Vietnã. Entre as histórias contadas pelos colegas, ele atende o celular discretamente. O colega ao meu lado percebe e comenta; brincamos que ele não precisa seguir regras de etiqueta. Nós é que lhe devemos respeito. A conversa entre público e palestrantes continua.

O relógio indica que a diversão acabará em breve. O público quer aprender fazer a tal da boa reportagem. Em resposta, nada de métodos. Histórias. Azenha diz que contou com a sorte para entrevistar Gorbachev, Geneton lembra do cuidado com o texto. Ribeiro conta como realizou matéria com o sanfoneiro Mario Zan, seu amigo pessoal e autor de músicas como Nova Flor (Os homens não devem chorar).

No fim da conversa, o repórter fez as vezes de obituarista. Informa, serenamente, o falecimento do compositor. Era a notícia que recebera naquela ligação. Apesar da tristeza que certamente sente, Ribeiro fala da morte sem abalos, com o vigor de quem sabe que cumpre seu papel.

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Rebaixado (de volta ao assunto)

E este é o nosso grande remorso: o de fazer as coisas urgentes e inadiáveis – tarde demais.
Lourenço Diaféria, Herói. Morto. Nós.


Na semana passada, comparei política e futebol. Perguntava se o PSB seria o Fluminense dos partidos brasileiros. A "análise" era mais uma brincadeira, mas parece que a comparação é válida. É como se o campeonato estivesse nas primeiras rodadas e o time ainda não demonstrasse entreosamento.

Está na Folha Online: Militantes do PSB recorrem contra filiação de Skaf ao partido

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Sobre o mérito

E a cidade não soube que hospedava pessoa daquela importância. É facílimo enganar uma cidade
Carlos Drummond de Andrade, Garbo: novidades


Quando esteve por aqui, Jesus Cristo propôs uma parábola segundo a qual um homem foi viajar e dividiu entre três servos a responsabilidades de administrar seus bens.

A distribuição foi feita de acordo com a capacidade que cada um havia demonstrado até então. O primeiro deveria cuidar de cinco talentos, o segundo era responsável por dois e o último cuidaria de um.

Na volta da viagem, o patrão soube que os dois primeiros funcionários passaram o tempo trabalhando. Conseguiram dobrar o valor a eles confiado. Imediatamente, foram promovidos. O último servo, contudo, preferiu esconder embaixo da terra o talento que recebera para devolver no retorno do chefe. Por sua negligência, foi demitido.

Hoje aconteceu uma história semelhante. O chefe Carlos Olímpio Ignácio voltou de viagem. Ele havia divido o trabalho entre quatro funcionários: Juan Plata, Yudi Hiroshi, Johnny Fourth e Roberto Ilusório de Oliveira. Os três primeiros foram responsáveis e conseguiram administrar bem suas obrigações. Roberto foi insensato. Cuidou tão mal de seu talento que não conseguiu sequer encontrá-lo para devolver ao patrão.

A principal diferença, contudo, está no final da história. Carlos Olímpio Ignácio resolveu entregar todos os talentos e responsabilidades para Roberto Ilusório de Oliveira.

Dizem que Roberto é uma boa pessoa e que para ter um futuro brilhante precisa apenas de mais seriedade. Vamos acompanhar o restante da história.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Rebaixado

Foi uma humilhação nacional que nada, absolutamente nada, pode curar. Dizem que tudo passa, mas eu vos digo: menos a dor-de-cotovelo que nos ficou dos 2x1. E custa crer que um escore tão pequeno possa causar uma dor tão grande. O tempo passou em vão sobre a derrota. Dir-se-ia que foi ontem, e não há oito anos, que, aos berros, Obdulio arrancou, de nós, o título. Eu disse “arrancou” como poderia dizer “extraiu” de nós o título como se fosse um dente.
Nelson Rodrigues, Complexo de vira-latas

Quem acompanha futebol está acostumado com a situação: clube com gestão amadora e campanhas medíocres apresenta pacote de contratações no início de temporada. A torcida acredita em bons resultados e espera que o time melhore. Nas primeiras partidas é evidente a falta de entrosamento e os “problemas técnicos”, por assim dizer, do elenco. A diretoria promete profissionalismo e um projeto de longo prazo. Troca o técnico, faz lista de dispensa e contrata novos jogadores. Termina o ano brigando para não ser rebaixado.

Não gosto dessas comparações, mas com Romário, Marcelinho Carioca, Paulo Skaf, Gabriel Chalita e Walfrido dos Mares Guia, podemos dizer que o PSB é o Fluminense da política brasileira?

E se o paralelo é válido, qual seria a situação correspondente à série B?

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Reservado

Tudo o que encontrei
na minha longa descida,
montanhas, povoados,
caieiras, viveiros, olarias,
mesmo esses pés de cana
que tão iguais me pareciam,
tudo levava um nome
com que poder ser conhecido.
A não ser esta gente
que pelos mangues habita:
eles são gente apenas
sem nenhum nome que os distinga;
que os distinga da morte
que aqui é anônima e seguida.
São como ondas de mar,
uma só onda, e sucessiva.
João Cabral de Melo Neto, O rio





Foi namorar, perdeu o lugar.

É assim que os pequenos explicam sua lógica de “revezamento”, por assim dizer, em situações como parques com mais crianças do que brinquedos.

Imagino que aquelas com mais recursos não costumam usar esse argumento. Nunca estive neste grupo, mas penso que elas devem ter espaços e brinquedos reservados, específicos, que podemos chamar de assentos permanentes.

Seria natural que, sabendo que tal privilégio existe, outras crianças quisessem um espaço semelhante. Contudo, se o mundo dos homens fosse justo, os assentos permanentes não existiriam. Se ele fosse ao menos um pouco mais responsável, os brinquedos seriam distribuídos de acordo com méritos individuais: quem estuda, faz a lição e ajuda a arrumar a casa deveria escolher primeiro.

Questão semântica

Somos uma geração que perdeu o privilégio de não fazer nada, aquele doce não-fazer-nada que é a mansa hora de repouso.
Elsie Lessa, Gente


Diariamente, na caminhada do almoço, passo ao lado de um poste-it, que vem a ser o anúncio de papel colado em determinado ponto de iluminação pública, que faz propaganda de um curso de “gnose”.

Não sei o que essa palavra pode significar. A preguiça de consultar o dicionário me faz passar algum tempo criando possíveis explicações. Seria um sinônimo de hipnose? É provável que não, apesar da fonética. Jornalismo, talvez? Ouvi falar de cursos que formam esses profissionais em 45 horas...

Mas deixemos o divagar de lado. Como o anúncio não diz o que significa a tal da “gnose” (suponho que seja um substantivo feminino), penso que deve ser uma daquelas coisas que faz parte do chamado senso comum e que é ignorada apenas por seres ignorantes, como eu. Também pode ser uma estratégia para despertar a curiosidade do “público”.

Se foi isso mesmo, devo dizer que a tática deu certo, pelo menos comigo.

Após esse anúncio, o interesse em saber o que significa “gnose” é maior do que a vontade de acompanhar os jornais.


* atualizado às 11h12

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Defeito crônico

Afinal, quem julgar que este mundo é fácil entrou no planeta errado.
João Antonio, Morreu o Valete de Copos


Está no G1. A desigualdade no Brasil caiu 9% em dez anos.

É como se todas as pessoas interessadas em inclusão social estivessem em um carro, com o objetivo de chegar a um local onde dizem existir justiça, direitos básicos e oportunidades iguais para todos.

O otimista destaca que estamos no caminho certo.

O pessimista reclama que a direção pode até estar correta, mas estamos tão devagar que nunca chegaremos ao destino planejado. Além disso, quando acabar a descida, alguém precisará descer e empurrar.

O pragmático reclama da conversa. Ele está ocupado pensando em como trocar a atual "carroça" da inclusão por um veículo mais rápido. Mas não há sequer um carro nessa estrada além do que eles ocupam.

O terórico senta-se e pensa no assunto. Deve existir alguma explicação filosófica. Para clarear o raciocínio, recorre aos doces que carrega na mala. Enquanto isso, engorda e deixa o carro mais pesado.

O intuitivo faz o que pode: reza um mantra para acalmar os ânimos durante a longa viagem. Mas no fundo, sabe que não está ajudando muito...


Com tanta gente, bem que alguém podia abrir o mapa e procurar um atalho.