quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Primeiras impressões

Publico com atraso o comentário de ontem. Peço perdão e paciência aos leitores.


Quantas vezes já não fomos ventos devastadores na vida das criaturas? Quantas ruínas já não deixamos atrás de nós?
Marques Rebelo, Páginas das páginas


No dia da posse, achei melhor não comentar o governo Obama enquanto as primeiras ações não fossem colocadas em prática. Confesso, entretanto, que não esperava ter assunto logo no primeiro dia de trabalho do novo presidente dos EUA.

Para nós da América Latina, é impressionante a diferença que faz um pouco de planejamento. Um processo de transição bem conduzido permitiu que, logo após assumir o cargo, o novo presidente suspendesse todos os julgamentos de Guantánamo por 120 dias, para que sua equipe analise os processos e o tratamento destinado aos presos.

Esta provavelmente é a primeira ação de uma série que deve culminar com o fechamento do centro de detenção conhecido, durante os governos Bush-II, pela prática de tortura contra acusados de terrorismo.

A prisão, que fica numa base militar dos EUA em Cuba, foi criada por George W. Bush após o 11 de setembro, para guardar os cativos da “guerra ao terror”. Milhares foram capturados. Muitos foram soltos por falta de provas. Alguns foram presos e torturados na volta a seus países. Outros se suicidaram. Restam 245 prisioneiros.

Obama também se reuniu com a equipe de Defesa do país para discutir a retirada das tropas estadunidenses no Iraque. No mesmo dia, telefonou para líderes políticos do Oriente Médio (Egito, Israel e Palestina) para reafirmar sua disposição a colaborar com a busca da paz entre árabes e hebreus.

O primeiro presidente negro dos EUA faz um bom começo de gestão. Tomara que as primeiras impressões fiquem firmes nos próximos anos.

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Em branco

[...] respondeu-me com aquele gesto de ignorância, que consiste em fazer cair os cantos da boca. Se bem me lembro, acrescentou o gesto de abrir os braços com as mãos espalmadas, que é a mesma ignorância em itálico.
Machado de Assis, O câmbio e as pombas


O homem faz a história ou a história faz o homem?


Por enquanto, os principais temas da semana (pelo menos em São Paulo) são a queda do telhado na igreja Renascer e a posse de Obama. Me abstenho de comentar os dois assuntos. No primeiro, ainda há escassez de informações. No segundo, é melhor esperar as primeiras ações em silêncio do que exercitar futurologia.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Crescer na crise

Não houve atualização na sexta-feira porque estava em viagem de trabalho, sem acesso à internet. Hoje a rotina volta ao normal.


Se descansasse? Mas não pode. É da engrenagem. Dentro do seu peito estrangulam-se todos os sentimentos. A falta de tempo, numa ambição desvairada que o faz querer tudo, a terra, o mar, o ar, o céu, os outros astros para explorar, para apanha-los, para condensa-los em sua algibeira, impele-o violentamente.
João do Rio, O dia de um homem em 1920


A “Entrevista da 2ª”, na Folha Dinheiro, trouxe a análise do economista e professor em Cambridge Ha-Joon Chang sobre o crescimento da economia brasileira.

No sentido do que se publicou aqui recentemente, destaco alguns trechos. Além desses, ainda há análises sobre comércio e competição internacional.

“O maior problema do país tem sido do lado da demanda, uma dificuldade criada pela política monetária excessivamente conservadora, com elevada taxa de juros e enorme superávit primário”

“Eu fico realmente com raiva, porque o Brasil está desperdiçando o grande potencial que possui. É de cortar o coração que esteja voluntariamente se atrasando. Do jeito que é feito, o controle da inflação mata o crescimento”

FOLHA - O senhor acha que os bancos centrais devem ser independentes para decidir essas políticas?
CHANG - Não. Trata-se de uma instituição tão importante, precisa prestar contas. Dada a sua natureza, o banco central tende a favorecer o crescimento do sistema financeiro. Os seus executivos não estão deliberadamente aniquilando os outros setores, mas são naturalmente influenciados por outros banqueiros, com os quais se encontram regularmente.

“Esta é a grande chance. Se o país perder a atual oportunidade, quando vai diminuir os juros? Daqui a três ou quatro anos, quando os outros países voltarem a subir suas taxas, será tarde”

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Sujeira

Enquanto houver tolos que queiram ser enganados, eles próprios inventarão quem os engane.
Olavo Bilac, As cartomantes


Apesar das extraordinárias dimensões auriculares, Paulo Skaf, presidente da Fiesp, parece nunca ter ouvido falar de responsabilidade social. Para defender o posicionamento da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo - diminuir jornadas e salários sem garantir o emprego dos trabalhadores – fez a seguinte declaração:

- Precisa ficar bem entendido que nós não estamos falando de garantia de emprego porque isso não está na lei do país e isso não está na competitividade do mundo. A estabilidade engessa e nós não queremos andar para trás.

Como Skaf não se detém em falar besteiras, concluímos que, apesar da extraordinária dimensão nasal, o sindicalista dos ricos não se preocupa com o cheiro de esgoto.

Econômica

Como complemento ao texto de ontem, destaco um bom exemplo de como o governo pode incentivar o consumo e ajudar no controle da crise financeira:

Bird elogia o Bolsa Família no combate à crise financeira

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Sintonia

Não tenho relações diretas com o câmbio; não saco sobre Londres, nem sobre qualquer outro ponto da terra, que é assaz vasta, e eu demasiado pequeno
Machado de Assis, O câmbio e as pombas



Como leigo, me arrisco a comentar uma aparente contradição da economia nacional.

“O BC não pode viver numa esfera apartada da Nação. O Banco Central é um banco; deveria agir como tal, desdobrando-se em esforços para prover a economia de crédito a custos compatíveis; e não se portar como um governo paralelo”.

A frase é de Luiz Gonzaga Belluzzo, professor do Instituto de Economia da Unicamp. A declaração foi publicada numa reportagem da Agência Carta Maior sobre a manutenção da taxa básica de juros.

O mundo enfrenta uma crise de crédito. Ou seja, ficou muito caro tomar dinheiro emprestado. Assim, as empresas não conseguem realizar investimentos e as pessoas têm que comprar menos. Em um momento como esse, o mais indicado para instituições públicas seria facilitar o crédito e incentivar o consumo. Colocar mais dinheiro para “rodar” a economia. O BC faz o contrário.

A crítica faz ainda mais sentido quando se comparam as condutas do governo e do Banco Central. Dentro de suas limitações políticas, a equipe do presidente Lula adota iniciativas positivas (mesmo que insuficientes). A previsão de aumento no salário mínimo e a redução do IPI para carros populares são bons exemplos.

Do outro lado, a direção do Banco Central atua com autonomia, apesar de ser organicamente subordinada à presidência. A independência é importante para consolidar a imagem de um país comprometido com a estabilidade econômica, mas não pode produzir retrocessos.


No meio deste texto, lembrei de algo escrito em janeiro de 2007:

Poesia econômica e autonomia do BC
O chefe chegou: é pê á cê!
Mas depende do bê cê,
que manda mais que o pê tê
e mais que eu e que você
desde o tempo éfi agá cê.

Que autonomia, que prazer:
Quem mandaria quer fazer,
Mas quem faria, se abstém.
E o gigante, como está?
Novamente a adormecer.


* A matéria citada no segundo parágrafo pode ser acessada aqui. O texto é bem carregado ideologicamente, mas a análise de Belluzzo é esclarecedora.

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Na fronteira

Há uma linha tênue entre o engraçado e o infame.


Inocência

A verdadeira inteligência é a que se limita para evitar dissabores
João do Rio, Um mendigo original



A natureza humana produz situações especialmente intrigantes. A benevolente tendência a apoiar o lado mais fraco de um embate pode levar à crença de que existem inocentes até em disputas bélicas ou políticas. E até professor de gramática ensina que nesses casos, infelizmente, o vocábulo não se aplica.

A ofensiva judaica na faixa de Gaza não é um ato de insanidade iniciado sem motivação externa, como alguns fazem parecer. É uma resposta (desproporcional) a ataques contra a população civil de Israel realizados por um grupo que tem como princípio o extermínio do povo hebreu.

Tal “partido” conseguiu tomar o poder numa região desocupada em 2005 pelos judeus, num processo cujo objetivo era permitir a criação de um Estado palestino independente. Quando Israel tentou o caminho da moderação, a vitória do Hamas (em 2006) reacendeu as chamas que aquecem a fervente panela do oriente médio.

A estupidez das soluções bélicas continua indefensável, mas toda história tem pelo menos dois lados.

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

O retorno

Após seis meses e 23 dias incomparavelmente tranquilos e felizes, os dois leitores deste blog recebem uma péssima notícia: o período de estivação acabou. Com este texto, recomeço as atualizações regulares da página.

A ausência, de certo modo, é justificável. Desde a última postagem, outros trabalhos (que me rendem dividendos financeiros e acadêmicos) exigiram que todas as horas não destinadas à alimentação, ao sono ou à saúde física e espiritual fossem dedicadas a eles. Com exclusividade.

O esforço culminou com a realização de um bom projeto (modéstia à parte). O livro-reportagem "Retratos da resistência - Histórias da Ação Popular no ABC" foi escrito em parceria com Antonio Strini, Duda Carlini, Marcio Hasegava e Vinicius Romero e apresentado como trabalho de conclusão em nosso curso (jornalismo). Ao longo do dia, tentarei disponibilizar uma versão em pdf para baixarem.

Feito o mea culpa, inauguro uma nova prática no blog. A "Frase do dia" não é diária, mas tenta trazer citações relacionadas à postagem escritas por autores que valem a pena.

O instrumento da riqueza era também o do castigo. Esta é uma das misericórdias da Divina Natureza. Não importa: laboremus.
Machado de Assis, O livreiro Garnier

* Atualização:
Consegui um link para baixarem o livro: