quarta-feira, 2 de abril de 2008

Bem lembradas

A folha de hoje trouxe dois bons textos, que copio aqui. Vamos aproveitar enquanto os colonistas ainda não acabaram com os bons colunistas.

Leviandade é crime
Clóvis Rossi

SÃO PAULO - Se o poder público brasileiro (no caso, o paulista) adotasse o devido rigor, puniria o delegado responsável pelo caso da menina Isabella Oliveira Nardoni, 5 anos, morta no sábado, por colocar o pai como suspeito.
No fundo, estamos diante de uma gênese idêntica ao escândalo da Escola Base, no qual a mídia foi crucificada, com toda a justiça. Mas faltou mais alguém na cruz: o delegado responsável pela investigação do caso.
Vamos rebobinar um pouco a fita e analisar as circunstâncias em que se deu a desumana crucificação dos responsáveis pela escola, apontados como abusadores de crianças.
Quem detinha, com exclusividade, todas as informações? O delegado.
Ninguém mais. Quem repassou as informações aos jornalistas, coletivamente? O delegado. Aos jornalistas, restava um de dois caminhos: duvidar ou acreditar (claro que me refiro aos jornalistas de boa-fé; os que têm índole sensacionalista não precisam acreditar ou duvidar de nada para dar vazão à índole).
Mais: se duvidassem e decidissem não publicar, seria preciso que todos tivessem idêntico comportamento. Um só que publicasse já estaria provocando o dano à reputação dos donos da escola.
Agora é um pouco a mesma coisa.
O delegado deu entrevista que a Rede Globo, pelo menos, pôs no ar (não vi outros telejornais, mas suspeito que todos o tenham feito).
Adiantaria alguma coisa se a Folha, digamos, não publicasse a acusação ao pai da menina?
Salvaria a face do jornal, mas não salvaria o principal, que é a reputação do pai.
Nem importa, no caso, se vier a se comprovar que o pai é mesmo culpado. Não cabe ao delegado, ao menos nesta fase da investigação, dizer quem é ou não suspeito.
Se o pai for de fato culpado, será punido ao fim da investigação. Se for inocente, já está punido.

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Fim da infância
Ruy Castro

RIO DE JANEIRO - Outro dia, em Guarulhos, perto de São Paulo, um garoto de 12 anos foi flagrado dirigindo um carro numa avenida mal-iluminada, à noite e em hora de movimento. Os pés do garoto mal alcançavam o acelerador e o freio, e ele quase não enxergava fora do veículo. A tia dele o estaria ensinando.
Poucos dias depois, em Itaquaquecetuba, também na Grande São Paulo, um menino de três anos entrou num carro sem que sua mãe percebesse e o pôs acidentalmente em movimento. O veículo desceu a rua, subiu a uma calçada e decepou a perna de uma garota de nove anos que brincava por ali.
Ainda em São Paulo, um casal foi preso ao tentar comprar uma menina recém-nascida, filha de uma mulher que dizia não ter recursos para criá-la. No Rio, um homem também foi preso por "alugar" o filho de quatro anos por R$ 50 para um traficante, que, de mãos dadas com a criança, pretendia não despertar suspeita ao embarcar com maconha na Central do Brasil.
Em Campos, no norte fluminense, uma professora encontrou um revólver calibre 32, carregado, na mochila de um menino de dez anos, seu aluno na 1ª série do fundamental. O garoto disse ter achado a arma no mato. Em Ribeirão das Neves, MG, outro garoto, este de três anos, também foi apanhado andando pela rua com uma arma, um 38 igualmente carregado. O revólver pertencia a seu pai.
Em compensação, em Brasília, um menino de oito anos, estudante da 5ª série do fundamental, prestou vestibular para o curso de direito da Universidade Paulista, em Goiânia, e foi aprovado. Claro que ele não poderá fazer o curso, mas que faculdade é essa cujas provas podem ser feitas por crianças? Parafraseando Machado de Assis, no nosso tempo ainda há jovens, mas são poucos. O Brasil os torna adultos cedo demais.

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